terça-feira, 1 de julho de 2014

INOVAÇÃO NO BRASIL

José Augusto Corrêa, co-fundador do Fórum de Inovação da FGV
 
No dia 2 de junho, o New York Times publicou uma reportagem sobre publicidade, comentando que dois “ases" do Brasil foram contratados pela agencia AKQA. Essa detém contas das mais cobiçadas do mundo e está presente nos principais países. Contrataram os “ases” devido ao seu sucesso mundial, pelo alto grau de criatividade das peças publicitárias que vêm produzindo. O CEO da AKQA comentou que precisavam ter uma agência no Brasil porque “lá o talento é extraordinário... como se vê todos os anos em Cannes”, referindo- se ao Festival Internacional de Criatividade em Cannes, no sul da França. Pois será em Cannes, em 19 de junho de 2014, que ocorrerá um evento excepcional, o Dia da Criatividade do Brasil, em função do freqüente sucesso das criações brasileiras apresentadas todos os anos nesse Festival.
Ora, se pudéssemos imaginar uma “cadeia produtiva da inovação”, o primeiro elo ou o primeiro passo é sempre dado pela inteligência humana, que gera novas ideias. Esse passo resulta da observação, das ligações mentais feitas entre o que se vê, o que se imagina e, em função disso, da antevisão do que pode vir a ser uma demanda para um produto ou uma atividade no futuro.
Frequentemente, tomamos conhecimento de fatos que demonstram como o brasileiro é criativo, como no exemplo internacionalmente reconhecido acima. Entretanto, para inovar não basta criatividade; ela é – repetimos - o primeiro passo do processo. O elo seguinte é a estratégia, o caminho para, da ideia, chegar-se à sua concretização, o hands on. Esse é o grande obstáculo que encontramos na “cadeia produtiva da inovação” no Brasil. Esse segundo elo, em geral, é idealmente construído por outra pessoa, que não é o ser criativo, o inventor. Essa outra pessoa é o empreendedor.
É claro que temos abundância de brasileiros naturalmente criativos, mas não há a mesma evidência na cultura brasileira que mostre que nossos cidadãos sejam empreendedores natos. Nesse ponto chegamos a um conceito fundamental em toda essa história: inovar não é apenas criar, inventar, mas implantar e fazer sucesso com uma ideia.
O empreendedor é o agente da inovação, aquele que reconhece em uma ideia, mesmo que não seja dele mesmo - e geralmente não é -, uma oportunidade para inovar. Ele consegue achar a forma de dar o salto entre a ideia e a sua realização, saltando sobre o que se chama de “innovation gap” ou o hiato da inovação, a grande dificuldade de todo esse processo. É um salto arriscado rumo ao desconhecido, pois uma inovação não disputa participação de mercado, mas cria um novo mercado. Alem disso, os riscos de um projeto não inovador são conhecidos; os riscos de uma inovação são apenas imaginados. A formação da equipe, a contratação de especialistas é outra incógnita, pois às vezes simplesmente não há especialistas disponíveis no mercado com experiência em um produto ou processo inovador. Esses deverão ser formados, o que só é viável após a compreensão dos riscos que juntos correrão.
Curioso é que a cultura brasileira tem raízes lusitanas. E no século XV, os portugueses eram inovadores e empreendedores. Pode-se até dizer que a Escola de Sagres foi um Silicon Valley patrocinado pelo Infante Dom Henrique. As descobertas dos portugueses há mais de 500 anos seguiram praticamente o caminho das startups de hoje. Sagres agia como uma incubadora e poucos anos após sua implantação já produzia resultados, com descobertas das ilhas de Porto Santo e Madeira, ainda nos anos 1.400. E cada um desses empreendimentos tinha por trás de si investidores, os venture capitalists ou private equities de então, interessados em grandes lucros, em prazos curtos e dispostos a enfrentar altos riscos.
Onde foi parar esse DNA empreendedor português ninguém sabe. Talvez tenha sido extinto por razões religiosas, já que as joint ventures de Sagres tinham por base uma vitoriosa e harmoniosa sociedade católica-árabe-judaica, baseada na Matemática, na Astronomia, nas Finanças, na Cartografia, na Construção Naval. Restou, para nós brasileiros, uma inegável cultura burocrática. Licenças, registros, autorizações, carimbos, declarações... Tudo ótimo para pesquisadores em genealogia, que encontram o que buscam em seculares livros de apontamentos, com facilidade, mas voltados para o passado.
Hoje, no Brasil, na nossa cultural, a falta de confiança nas pessoas é generalizada e gera exigências de comprovações absurdas, mostrando que as leis e demais regras oficiais são feitas com base na hipótese que todos os cidadãos brasileiros são mentirosos e propensos a fraudes até prova em contrário. Procedimentos são detalhadamente padronizados, criam-se regras para tudo e, pior, regras mutantes ao longo do tempo. Essa burocracia é a antítese da inovação e do empreendedorismo.
Essa falta de confiança passou a ser uma bola de neve, impregnando toda a população; não impacta apenas o Estado e o governo. As pessoas não se sentem seguras e desconfiam de tudo. Exemplo disso são as compras por internet. Produtos comprados serão recebidos em ordem, como encomendados? O descrédito ainda inibe muitas pessoas de utilizarem essa facilidade. Esse descrédito é sentido quando se compra um plano de saúde, um novo plano para o celular ou para TV a cabo; sempre fica o receio de sermos ludibriados.
O Brasil certamente será uma sociedade de pessoas inovadoras dentro de alguns anos. Nosso comportamento mudará gradativamente. De cidadãos e, por consequência, dos governos. No mundo global de hoje, a velocidade de absorção de comportamentos provindos de outras civilizações tem crescimento exponencial, tal qual a introdução de inovações em todos os mercados. Mas perderemos alguns anos até alcançarmos uma melhor qualidade de vida.
 
Fonte: fnq.org.br/informe-se

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