domingo, 13 de abril de 2014

Sustentabilidade para a evolução industrial

Os modelos de desenvolvimento sustentável propostos para minimizar os impactos do modelo atual se baseiam quase sempre em cuidar melhor dos recursos utilizados nos sistemas de produção, reduzir o consumo de recursos naturais e reutilizar e reciclar o material proveniente dos resíduos dos produtos em fim de vida útil e a enorme quantidade de materiais auxiliares utilizados para que os produtos fabricados sejam distribuídos globalmente, como embalagens. O problema desses modelos é que não saem do papel. Parece muito difícil que os países adotem esses mecanismos sustentáveis de forma global. Esse tipo de modelo vai na contramão dos valores existentes nas sociedades modernas, centrados na produção e consumo de bens e serviços de alto valor agregado (veículos, computadores, etc.).
Exemplo disso é o valor de mercado de um veículo durante sua vida útil até o momento da sua reciclagem. A figura apresentada a seguir mostra o percentual de valor de um veículo depois de oito anos de uso, sendo 100 o valor correspondente ao de um veículo novo.
Variação
Percentual de valor de um veiculoVariação do valor de mercado no Brasil de um veículo durante sua vida útil até atingir a condição de reciclagem (End of Life Vehicle ? ELV)
O último valor indicado com uma coluna preta no gráfico representa o valor do veículo reciclado, ou seja, valor recebido pela venda das sucatas metálicas (aço, cobre e alumínio), que são praticamente os únicos materiais de algum interesse comercial no veículo em fim de vida útil (End of Life Vehicle ? ELV), pelo menos de forma legal. Pode-se ver que, com a venda dessas sucatas, consegue-se somente 2,53% do valor do veículo novo. Essa enorme perda de valor mostra claramente que o tema de sustentabilidade não é viável. Quem gostaria de trabalhar em um mercado em que o valor agregado do negócio representa somente 2,53% do valor de um produto novo? Onde estão os técnicos, os engenheiros e os cientistas que desejem trabalhar no desenvolvimento desse tipo de negócio? Somente pessoas na ilegalidade e à margem da sociedade têm a dolorosa missão de ocupar a vida nesse tipo de atividades. Assim, o tema sustentabilidade deve ser abordado de forma diferente.
O processo de reciclagem no Japão é denominado indústria venosa, que é a que transforma veículos em fim de vida útil em matérias-primas. Indústria arterial é a indústria tradicional, que fabrica produtos novos a partir de matérias-primas.
Industria Arterial VenosaConceito de ciclo sustentável proposto no Japão pela indústria venosa e arterial Assim, o ciclo produtivo se fecha de forma natural, semelhante ao processamento do sangue no sistema circulatório do nosso corpo. Não existe fim, somente ciclo contínuo, em que se agrega valor em cada etapa. No Japão se aproveita praticamente tudo do veículo reciclado; existe valor agregado tão grande no processo de reciclagem de veículos, que até metais preciosos, como ouro, são obtidos nas diferentes etapas industriais envolvidas no complexo ciclo de reciclagem dos veículos. Existem cada vez mais técnicos, engenheiros e cientistas envolvidos nessas atividades. Podemos dizer que está se abrindo uma nova economia. Mas isso somente foi possível por causa da mudança de valores adotada no Japão no que se refere ao tema de reciclagem. Essa atividade é considerada no Japão como um processo industrial, uma forma de agregar valor e não simplesmente como algo desnecessário, pelo qual ninguém tem interesse.
Mas a sustentabilidade exige ainda mais. Não é possível garantir a sobrevivência sem cuidar dos bens produzidos da melhor forma possível durante toda a sua vida útil. A falta de manutenção adequada leva à redução significativa do tempo de vida previsto para os produtos e à baixa performance de utilização. Por exemplo, fazer a manutenção dos veículos somente durante o período de garantia dado pelos fabricantes é condenar a sua confiabilidade de funcionamento e aumentar o consumo de combustível e lubrificantes durante toda a sua vida útil, além de expor a sociedade a riscos de acidentes em cidades e estradas.
No caso dos veículos, as ações de manutenção até o período de garantia se limitam a algumas trocas simples de pastilhas de freio, lubrificantes, filtros e nada mais. As ações de manutenção realmente importantes em um veículo, como troca de amortecedores, molas, acionamentos dos sistemas de freio, bombas do sistema de alimentação de combustível, etc., não são cobertas pela garantia de nenhuma montadora e, consequentemente, somente são realizadas de forma corretiva pelos próprios donos dos veículos. Mas não somente na área de veículos existe deficiência de manutenção. De acordo com dados da Associação Brasileira de Manutenção e Gestão de Ativos ? Abraman, as indústrias gastam em média de 4% a 5% do seu faturamento na manutenção das suas instalações.
De acordo com a Abraman, mais de 30% das ações de manutenção nas indústrias são corretivas, não existindo dados muito claros sobre a proporção de ações preventivas nas empresas. O fato é que a disponibilidade das instalações industriais e sua performance operacional dependem diretamente da manutenção. Assim, se não há um investimento e valorização maior nessa área, a maior parte do setor industrial está condenada a altos custos de paradas imprevistas e à perda de competitividade frente a concorrentes.
Vemos, assim, que a garantia da sustentabilidade das próximas gerações não vai exigir mudança radical de comportamento e, sim, valorização de setores que até o momento não são muito valorizados pela sociedade, como de desenvolvimento de processos de reciclagem ou "indústria venosa" e de serviços de manutenção em todos os âmbitos da nossa economia: indústrias, veículos, edifícios, etc. Com essas atividades agregaremos valor onde hoje não existe, criando novos empregos e contribuindo para reduzir os impactos que hoje colocam em risco a nossa sobrevivência. É fundamental que cada vez mais técnicos, engenheiros e cientistas sejam formados e atuem nessas novas áreas estratégicas para o desenvolvimento de uma sociedade realmente sustentável.
Para contribuirmos nesse sentido, viabilizamos a construção da primeira planta-piloto de reciclagem de veículos seguindo o modelo do Japão. Essa planta deverá ser construída em Belo Horizonte, e existem planos de construirmos outra no Rio de Janeiro. Esse projeto está sendo apoiado pela Japan International Cooperation Agency ? JICA e conta com a participação de empresas seguradoras e do setor siderúrgico do Brasil.

Créditos

Artigo redigido por Daniel E. Castro, professor do curso de Engenharia Mecânica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais ? Cefet-MG, membro da Associação Brasileira de Manutenção e Gestão de Ativos ? Abraman, coordenador de pós-graduação de Engenharia de Manutenção, uma parceria da Abraman e da PUC Minas, e autor do livro Reciclagem e Sustentabilidade na Indústria Automobilística.

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